Enquanto médicos aprovam parecer sobre valor "de disponibilidade" para fazer procedimento, ANS e órgãos de defesa do consumidor dizem que pacientes não devem pagar pelo serviço.
O planejamento para a chegada do primeiro filho era seguido ao pé da letra pela professora Carla Renata dos Santos Souza e seu marido. No entanto, junto com a primeira consulta do pré-natal, veio a surpresa da cobrança de uma taxa “de disponibilidade” de R$ 4 mil para que a médica realizasse o parto da paciente, mesmo ela fazendo todo o acompanhamento pelo plano de saúde. A cobrança levou o casal a reprogramar as finanças e colocar uma moto à venda para poder pagar a despesa. “É um dinheiro que poderia ser aplicado em outra coisa, como uma poupança para a nossa filha, mas será usado para cobrir essa despesa. Vou pagar, pois confio na médica e com quatro meses de gravidez não quero mudar de obstetra”, afirma Carla.
A taxa de disponibilidade cobrada pelos obstetras é considerada “indevida” pela Agência Nacional de Saúde (ANS. De acordo com o órgão, as operadoras de planos de saúde devem garantir o que foi contratado pelo beneficiário por meio do rol de procedimentos e eventos em saúde, que contempla a cobertura obrigatória para parto, pré-natal e trabalho de parto na segmentação obstétrica. Ainda segundo a ANS, os procedimentos devem ser oferecidos de acordo com os prazos máximos de atendimento, instituídos pela Resolução Normativa 259, que fala sobre a garantia de atendimento dos beneficiários de plano privado de assistência à saúde para exames, consultas e urgência/emergência.
A posição da ANS é contestada pelo Conselho Federal de Medicina (CFM), que aprovou parecer permitindo aos obstetras conveniados aos planos de saúde estabelecer e cobrar valor específico para acompanhar, presencialmente, as gestantes no momento do parto. Para o presidente do Conselho Regional de Medicina de Minas Gerais (CRM-MG), Itagiba de Castro Filho, o valor pode ser cobrado quando o médico não estiver de plantão e for solicitado pela paciente. Ainda de acordo com ele, o valor deve ser acordado entre médico e paciente durante a primeira consulta. “O parto pode acontecer a qualquer hora do dia ou da noite, o médico cobra para estar à disposição da paciente, mesmo que ele não esteja de plantão”, afirma.
Ao fazer o pré-natal do primeiro filho, a administradora Alice Paes fez uma peregrinação pelos consultórios de obstetras que atendiam pelo seu plano de saúde. A surpresa: todos eles cobravam a taxa de disponibilidade, que variava de R$ 3 mil a R$ 4 mil para a realização do parto. Diante da dificuldade, ela optou por um médico particular, de sua confiança, que não atendia pelo plano e cobrava valor igual para fazer o procedimento. “Entre pagar um que não conheço e outro em quem tenho confiança, preferi o segundo. É uma prática de mercado e todos eles cobram. Se não tiver dinheiro, a paciente vai ficar na mão e fazer o parto com o médico que estiver de plantão no hospital, que não acompanhou nada da sua gestação”, comenta.
- Alice Paes, que ficou surpresa ao constatar que os obstetras que atendiam pelo seu plano de saúde cobravam taxa de disponibilidade de R$ 3 mil a R$ 4 mil, para fazer o parto
O presidente da Associação Brasileira de Consumidores (ABC), Danilo Santana, contesta o parecer do CFM e afirma que, se o médico está credenciado como obstetra no plano de saúde, ele deve fazer o parto sem cobrar a taxa. “A disponibilidade está incluída no contrato do médico com a operadora e o consumidor não deve arcar com essa despesa. O obstetra deve pleitear o pagamento não com o paciente, mas com o plano”, explica. Se o médico conveniado ao plano fizer a cobrança e a prática for comprovada, a operadora pode ser multada pela ANS em R$ 80 mil ou até R$ 100 mil em casos de urgência e emergência. Se houver a cobrança, o advogado alerta para que a paciente guarde todos os comprovantes de pagamento e peça o reembolso à operadora.
Reembolso de operadoras
É o que pretende fazer a cientista social Kellen Souza, que optou por fazer o pré-natal e o parto com uma equipe médica particular e depois pedir o reembolso à operadora de seu plano. O pacote completo com dois médicos à sua disposição, anestesista, consultas e o procedimento do parto custou R$ 5.500. “Estava fazendo o acompanhamento com outra médica que atendia pelo plano, mas que cobraria R$ 2.500 para fazer o parto, então resolvi fazer o procedimento com os médicos da minha confiança, gastando um pouco mais e tentando e ressarcimento com a operadora”, afirma.
Nesses casos, a advogada do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) Joana Cruz orienta que a consumidora pode pleitear a restituição direto com a operadora e que, caso não consiga, pode recorrer à Justiça. “A cobrança de taxa extra é uma limitação da cobertura que a paciente contratou. Isso vai contra o objeto do contrato do plano de saúde, a garantia de assistência de saúde integral e deve ser ressarcido à consumidora”, explica.
O que diz o código
Art. 6º São direitos básicos do consumidor:
V - a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas;
Art 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços:
V - exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva;
X - elevar sem justa causa o preço de produtos ou serviços. (Incluído pela Lei nº 8.884, de 11.6.1994)
Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:
IV - estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade;
X - permitam ao fornecedor, direta ou indiretamente, variação do preço de maneira unilateral;
§ 1º Presume-se exagerada, entre outros casos, a vantagem que:
I - ofende os princípios fundamentais do sistema jurídico a que pertence;
II - restringe direitos ou obrigações fundamentais inerentes à natureza do contrato, de tal modo a ameaçar seu objeto ou equilíbrio contratual.
Fonte: Jornal Estado de Minas (17/02/14)