Jornal Opção mostra os motivos que levaram instituições a fecharem as portas na capital goiana e que têm preocupado aqueles empresários que ainda estão na ativa
Marcos Nunes Carreiro e Frederico Vitor
“Copa se faz com estádios, não com hospital”. O leitor há de se lembrar desta ilustre frase dita pelo ex-jogador de futebol Ronaldo Nazário. À época, a frase repercutiu muito devido ao período da Copa do Mundo no Brasil, mas continua servindo. O motivo de iniciar esta reportagem com essa citação “fenomenal” — se nos permite o trocadilho — o leitor verá ao longo das próximas quatro páginas.
A primeira e principal questão é que saúde é cara. É mais barato, em tese, construir estádios a hospitais, uma vez que o custo de instituições hospitalares é muito alto não apenas para a construção, mas também para a manutenção. Olhando por este ângulo, sim, Ronaldo “Fenômeno” estava certo, sobretudo nesse período de crise econômico-financeira por que passa o País.
Poucos atentaram para a questão, mas se a crise atingiu o mercado da construção civil, o setor de serviços, o comércio e a indústria, por que não a saúde? Em Goiás especificamente a óbvia crise nacional (aumento da inflação, diminuição do índice empregatício e do investimento em todas as áreas) atingiu os hospitais em uma fase em que estes já lutavam contra uma crise própria e, aparentemente, local.
O problema varia de interpretação, mas existe. Como disse Haikal Helou, dono de um hospital de Aparecida de Goiânia, “quando um hospital está em dificuldade, a conta é dono, pois foi ele quem não se preparou devidamente. Agora, quando todos os hospitais estão em dificuldade, tem algo errado”. Ele tem razão. As questões levantadas por esta reportagem não são para gerar pânico, mas para mostrar que também há certa recessão no meio do setor hospitalar goiano e de como isso pode acabar afetando a vida de todos.
A reportagem conseguiu fazer o levantamento dos CNPJs das mais de 200 instituições hospitalares de Goiânia e apurou que todas estão com situação ativa nos cadastros da Receita Federal. Contudo, há duas situações que chamam a atenção: os hospitais São Salvador e São Bernardo. Essas duas instituições, a primeira na capital e a outra em Aparecida de Goiânia, faliram. As duas empresas continuam ativas na Receita Federal, mas porque foram adquiridas por outros grupos e mudaram de nome.
A primeira se transformou no Centro Goiano de Oncologia (CGO); a segunda se tornou o Encore, hospital de cardiologia e radiologia. Fora esses, há também o caso do Hospital Fêmina, fechado há mais de um ano, em grande parte porque não conseguiu mais pagar sequer o aluguel do local onde funcionava, no Setor Marista, em Goiânia. Quando chegou nesta situação, não teve mais jeito: o hospital fechou as portas.
Quando se conversa com médicos e administradores de hospitais é possível chegar a um consenso: historicamente, os hospitais trabalham no vermelho, principalmente aqueles que prestam serviços para o Sistema Único de Saúde (SUS) — embora os planos de saúde não ofereçam uma realidade muito diferente, mesmo que um pouco melhor. A questão desde período é que os hospitais já não estão conseguindo reverter a situação e isso é refletido no atendimento prestado aos pacientes.
O caso Santa Genoveva
No tradicional hospital privado de Goiânia, o Santa Genoveva a delicada situação financeira é visível. A falta de manutenção estrutural é palpável, sem contar a lotada sala de espera.
Localizado no bairro que dá nome ao complexo de saúde, a unidade hospitalar foi fundada em 1964 — embora seu cadastro na Receita Federal só tenha sido feito em março de 1967 — pelo médico Francisco Ludovico de Almeida Neto, numa área de 10 mil metros quadrados, em meio a uma grande área verde.
Em seus tempos áureos o hospital foi pioneiro na realização de cirurgia cardíaca de circulação extracorpórea em Goiás. Entretanto, atualmente, a realidade tem sido diferente. A circunstância de crise, que se agravou nos últimos meses, fez com que a unidade diminuísse o número de atendimentos: onde antes havia uma média de 350 internações por mês, agora há quase a metade, mesmo contando com 160 leitos, sendo 19 de Unidade de Tratamento Intensivo (UTI). 300 profissionais trabalham na unidade.
De acordo com o diretor-técnico do Santa Genoveva, o médico Francisco Ludovico, há defasagem na tabela de valores dos repasses tanto dos convênios de planos de saúde quanto do SUS. Assim, os procedimentos ambulatorial e cirúrgicos realizados pelo hospital estão com problemas. Segundo ele, as tabelas não são ajustadas de forma satisfatória desde o final da década de 1990. “Uma cirurgia cardíaca, por exemplo, tem o mesmo preço na tabela desde 1997. Ou seja, uma defasagem de pelo menos 157%”, diz.
Francisco Ludovico explica que esta situação tem levado os hospitais privados não somente de Goiânia, mas de todo o País, a enfrentarem dificuldades financeiras. Além disso, ele lembra que, diferentemente do que ocorre em outros setores, o governo não tem dado incentivos ou praticado política de isenção fiscal às instituições hospitalares particulares. Com isso, há um nítido agravamento da saúde financeira das unidades que atendem convênios e principalmente o SUS. “Nunca tivemos nenhuma vantagem e esta situação tem corroído nosso caixa”, analisa.
O aumento dos valores da tabela das instituições conveniadas é regulamentado pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), do Ministério da Saúde. Segundo Francisco Ludovico, os repasses não têm sido efetuados em sua totalidade como esperado e, em dois anos, não houve registro de elevação dos valores da tabela dos convênios. Tal situação, segundo o administrador, tem gerado um descompasso na administração dos hospitais. “Existe também uma problemática social crônica, estamos atendendo pacientes que vêm do sistema público sem que a especialidade do hospital seja respeitada”, afirma.
O caso Santa Genoveva talvez seja a situação mais delicada com que a reportagem se deparou. A estrutura do hospital é antiga e, mesmo que os problemas estruturais não prejudiquem os atendimentos que estão sendo feitos, com a crise, a possibilidade de reforma não pode ser considerada. Em relação às dívidas do hospital, o administrador não quis entrar em detalhes, mas apenas informou que a situação é delicada e que há planos a serem executados em relação a este momento de crise. Porém, não adiantou detalhes.
O caso Lúcio Rebelo
O Hospital Lúcio Rebelo é outra instituição privada de Goiânia que tem passado por maus bocados financeiros. A unidade, localizada no Setor Bela Vista, em frente ao Parque Areião, tem 80% de seus procedimentos cirúrgicos realizados na área de cardiologia. Sua estrutura conta com 68 leitos ambulatoriais, quatros salas cirúrgicas e 38 leitos de UTI. É, sem dúvida, um dos maiores hospitais referência de Goiânia.
Contudo, segundo funcionários informaram à reportagem, os problemas financeiros têm impactado cada vez mais no atendimento prestado. Com os salários atrasados, muitos servidores não têm ido trabalhar, o que gera déficit de pessoal. Essa situação, aliada ao fato de que o número de pacientes só aumenta, cria longas esperas nas recepções. Além disso, enfermeiros e técnicos de enfermagem relataram falta de alguns materiais, como copos.
“Porém, os materiais necessários para o uso nos pacientes, como medicamentos e insumos [luvas, seringas etc.], não faltam. Quanto a isso, o hospital é rigoroso. Faltam copos, mas o atendimento de saúde é prioridade”, pondera uma funcionária.
O presidente da unidade, Percival Rebelo, recebeu a reportagem na unidade no início da tarde de uma quinta-feira. Entre uma reunião e outra, decidindo o andamento da empresa, o médico foi taxativo em sua curta conversa com o Jornal Opção: “Estamos presos a dois monopólios: Ipasgo e Unimed”. Ele critica o sistema alegando que não existe concorrência para o usuário, ou seja, os pacientes estão à mercê dos convênios que, de acordo com ele, têm estabelecido o preço que querem aos procedimentos realizados pelo hospital. “E isso tem afetado os rendimentos da instituição”, relata.
Para Percival, as tabelas aplicadas em Goiás são totalmente defasadas em relação às praticadas em outros Estados. Por conta disso, houve uma “debandada de grandes seguros de saúde como Amil, Bradesco e Itaú, do território goiano para outras unidades federativas”. Prova disso, segundo ele, é a existência da expansão de grandes hospitais privados como Sírio-Libanês e Albert Einstein, em Brasília, cidade a apenas 200 km de distância de Goiânia. “Temos um preço muito aquém. É por isso que em outros centros há um leque de seguro de saúde e aqui não. O problema é estrutural”, diz.
As informações — apuradas também com outros donos de hospital — são de que a Unimed está com certas dificuldades para pagar em dias e o Ipasgo, embora tenha melhorado, ainda não paga da forma como os hospitais gostariam. Há diárias, por exemplo, de R$ 78. O que compõe uma diária hospitalar? Cinco alimentações, cuidados de enfermagem, mais um leito. “Quem consegue ficar em Goiânia hoje em uma pensão por uma diária de R$ 78?”, pergunta um empresário.
Outro problema aponta por Percival é o SUS. A questão é a mesma do Hospital Santa Genoveva, ou seja, a defasagem da tabela de repasses tem causado dor de cabeça. O presidente reclama que o sistema não tem acompanhado as exigências da Agência da Saúde Suplementar (ANS). Segundo ele, cada vez que o hospital é obrigado a seguir as recomendações do Ministério da Saúde, não há, na mesma medida, uma contrapartida em relação aos custos dos procedimentos. “Isso tem afetado diretamente a nossa lucratividade. Aqui é uma empresa de fins lucrativos, não uma filantropia”, afirma.
E há mais: Percival aponta que os empresários goianos da saúde privada estão preocupados com a extinção dos grandes hospitais em troca do surgimento cada vez maior de clínicas. Para ele, a ausência de grandes complexos hospitalares não governamentais em Goiânia, uma capital de aproximadamente 1,4 milhão de habitantes, evidencia uma situação crítica que requer ajuda para reverter a grave situação.
Ele diz: “A maioria das empresas hospitalares de Goiânia não acompanhou o crescimento socioeconômico de outros setores da economia, como o agronegócio, o varejo e a construção civil. Fazendo um retrospecto, os hospitais privados da capital foram construídos na década de 1970, daí para frente, pouco se fez. Logo, é possível dizer que a saúde privada goiana está na maca e em direção à UTI”.
Se os hospitais privados fecharem, o setor público consegue absorver a demanda?
A reportagem entrou em contato com as secretarias de saúde de Goiânia e do Estado para receber uma resposta à pergunta deste título. O secretário municipal, Fernando Macho, não quis comentar a questão — mesmo que o município seja, talvez, o mais afetado por um possível fechamento dos hospitais particulares.
Por sua vez, o secretário estadual, Leonardo Vilela, concedeu entrevista e sua posição é a de que, mesmo que a situação seja delicada, se — e apenas se — houver fechamento de hospitais particulares em Goiás, o impacto na saúde pública não será significativo, uma vez que estes possuem poucos atendimentos conveniados pelo SUS.
O secretário, que é médico, porém confirma o posicionamento dos presidentes e diretores de hospitais particulares no sentido de que a tabela continua extremamente defasada. Tal problema tem gerado um déficit financeiro muito grande para algumas unidades, também abaladas pela crise econômica pela qual passa o País.
A questão, segundo o titular da Saúde, é que o Estado também é afetado pelas divergências geradas pelos preços praticados pelo SUS. Segundo ele, o governo estadual tem gastado cerca de R$ 1,5 milhão por mês na complementação de leitos psiquiátricos e diárias que, a priori, são de responsabilidade do Ministério da Saúde. “A tabela do SUS é baixa por falta de política do governo federal”, relata.
Um questionamento que sempre ronda o meio empresarial hospitalar é como ficaria a situação caso os hospitais particulares fechassem as portas. Será que a estrutura de saúde governamental teria condição de absorver a demanda? Retomando a questão, Leonardo Vilela diz que, apesar de cumprirem seu papel, os hospitais privados atualmente disponibilizam poucos leitos para o acolhimento pelo SUS.
Isso ocorre em razão da viabilidade econômica deficitária deste tipo de atendimento, isto é, os baixos preços praticados pela tabela forçam os hospitais reduzirem a oferta de leitos ao SUS. Além disto, o perfil destes hospitais é voltado para aos pacientes particulares e usuários de planos de saúde.
Outra questão relevante foi o aumento dos atendimentos e serviços dos hospitais estaduais depois que suas gerencias foram assumidas pelas Organizações Sociais (OS). Segundo o secretário, nos últimos quatros anos, o número de atendimentos cresceu muito. Dados da secretaria dão conta da afirmação. Entre 2011 e 2014, o número de assistências ambulatoriais cresceu 101%; cirurgias, 48%; internações clínicas, 80%; e de UTI, 72%. Tudo isso a um custeio apenas 28% maior. “Houve realmente uma grande mudança que mostra o nível de excelência destes hospitais”, diz.
Unidades com estrutura grande apontam que é difícil manter nível de qualidade
A situação, como o leitor pôde perceber não é boa. Contudo, se os hospitais — no sentido restrito do termo — não estão com as melhores das situações financeiros, muito poucos têm chances reais de falência. Pelo menos para o momento atual. Logo, se há motivos para alerta, não é preciso pânico. É o que aponta Haikal Yaspers Helou, presidente da Associação dos Hospitais Privados de Alta Complexidade do Estado de Goiás (Ahpaceg) e diretor administrativo do Hospital de Neurologia Santa Mônica.
A Ahpaceg reúne 15 hospitais do Estado. Em Goiânia: Amparo; Anis Rassi; da Criança; de Acidentados; Infantil de Campinas; Jardim América; Santa Helena; Samaritano; Monte Sinai; São Francisco de Assis; Instituto Ortopédico de Goiânia; e Instituto de Neurologia de Goiânia. Em Aparecida de Goiânia: Santa Mônica. Em Anápolis: Evangélico Goiano. Em Catalão: São Nicolau.
Haikal atendeu a reportagem por telefone numa manhã de quinta-feira para relatar um cenário que vai além do apresentado até o momento. Segundo ele, Goiânia possui um quadro que a difere de outras grandes cidades do País: “Aqui há muitas instituições que se denominam hospitais, mas que não tem o necessário para ser um. Logo, existe um problema de baixa especificidade e qualidade, além de uma população que ainda não está orientada a saber buscar aquilo que seria importante para a saúde dela”.
Em relação ao número de instituições, Haikal tem razão. Na lista de empresas brasileiras, há exatamente 200 empresas cadastradas na categoria “Hospitais”, apenas em Goiânia. Se somarmos a região metropolitana, esse número passa de 300. Lembrando que essa lista leva em conta apenas os hospitais privados. Somente no Setor Bueno são 51 empresas, mesmo número das existentes no Centro e no Setor Aeroporto juntos. Isto é, apenas esses três setores têm 75% das instituições cadastras nesta categoria na capital goiana.
O empresário aponta que a disputa de mercado é grande, mas que a busca apenas pelo lucro tem inviabilizado o mercado. “Pensemos o seguinte: se eu gasto oito pitangas para montar uma estrutura, quero ter 10 pitangas de retorno. O que faço com esse lucro? Eu vivo e reinvisto. Mas o que vemos atualmente é que a pessoa chega e gasta quatro pitangas na instituição, porque: não monta pronto-socorro; não põe CTI [Centro de Tratamento e Terapia Intensiva] nem serviço 24 horas de imagem; não compra gerador etc. Dessa forma, seu lucro é muito maior, afinal o custo é bem menor. Não existe hospital com cinco leitos. Isso é um absurdo”, retrata.
Para ele, a crise é silenciosa. Certo dia se passa por uma rua e vê que o hospital fechou.
— Mas fecha porque exatamente?
— Ora, se fechou é porque as coisas vinham ruins há muitos anos. Quando um hospital começa ter problemas financeiros graves, ele parte para a venda de cotas proposição de sociedade, o que não adianta, pois o indivíduo que investiu quer recuperar o dinheiro de alguma forma e a sociedade vai mudando de dono, de nome, até que um dia o fornecedor não fornece mais porque não recebe e os funcionários já não vão trabalhar pelo mesmo motivo.
— E o paciente?
— Nessa altura, o paciente também não quer mais ficar lá, pois percebe o decair da estrutura. A consequência é óbvia: o lugar fecha. Então, nós vivenciamos atualmente um mercado ruim e o goiano tem a expectativa de que, se ficar doente, vai para São Paulo se tratar no Sírio-Libanês ou no Einstein. Mas não entende que, às vezes, não dá tempo. A patologia dele pode ser algo que vai fazer com que o tratamento comece lá e termine aqui. Não adianta. Soma-se a isso a baixa especificidade da saúde em Goiânia.
— É possível dizer que o hospital, do momento em que começa a decair até quando fecha, se torna um lugar com potencial de insegurança? Pois a qualidade também cai…
— A questão é a seguinte: os hospitais com estrutura grande não estão conseguindo manter essa organização com qualidade. Se não consegue, o hospital começa a mandar funcionários embora. Se o empresário tem 19 enfermeiras-padrão, vai mandar nove embora. Vai começar a comprar medicamento genérico. Se o tomógrafo precisa ser trocado, não será etc.
— O que o sr. chama de hospitais com estrutura grande?
— Vou te dar um exemplo: todos os hospitais da Ahpaceg têm farmacêuticos, intensivistas, certificados, pronto-socorro, CTI. E, por isso, somos os que estamos sofrendo mais, pois nossa estrutura é mais pesada. Veja o tamanho do São Salvador e do Fêmina, que fecharam. Veja a dificuldade por que passam Santa Genoveva e Lúcio Rebelo. São as estruturas maiores. Agora, se uma pessoa bater o carro ou levar um tiro, por exemplo, é de um hospital que ela vai precisar e não de uma clínica. E esses hospitais estarão lotados ou em dificuldade.
— Por que o paciente procura clínicas ao invés de hospitais, então?
— Perceba que quando se fala em hospital a preocupação é unicamente com quantos leitos existem. Ninguém discute a qualidade e a especificidade da instituição. É simples: pergunte a um paciente se o hospital é bom. Verá que ele se preocupa com apenas três coisas: se o lugar é limpo, se o médico é de sua confiança e se as pessoas são educadas. Me desculpe, mas isso não é critério para escolher um hospital. Pessoas educadas e lugar limpo é um pré-requisito básico. Agora, a estrutura hospitalar está adequada? O paciente precisa querer saber quantos pacientes daquele hospital estão infectados e se a instituição tem comissão de óbito. E se não tiver? Ora, se o hospital não sabe quantos pacientes morreram e as causas, mais pacientes vão morrer pelo mesmo motivo. Então, o que temos em Goiânia, na grande maioria, são clínicas nomeadas de hospitais, mas que estrutura de hospital não tem.
— Então, a disputa de mercado é injusta?
— Se eu tenho uma clínica que abre às 8 horas e fecha às 18 horas, não tenho que gastar com pronto-socorro, com UTI, com técnico de radiologia 24 horas e com laboratório, meu custo é muito menor. Assim, é possível sobreviver mais tempo, porém a qualidade cai. Eu parto do princípio de que meu cliente é o indivíduo que entra no meu hospital. Ele pode ter a carteirinha do Ipasgo, da Unimed, do Bradesco ou da Amil. E essa pessoa, quando conscientizada, passará a exigir mais. Nossa briga é essa. Todos nós, de uma forma ou outra, estamos em dificuldades. Nossa expectativa é de que, com a nossa união, consigamos sensibilizar os pacientes.
SUS
Quando questionado sobre o SUS, Haikal responde da seguinte maneira: “É comum colocar a culpa nos outros quando o problema é nosso. E quando isso acontece, nós nos sentimos bem, mas perdemos a oportunidade de reverter a situação. O SUS é ruim no Brasil inteiro. Agora, se eu optei por trabalhar para o Sistema, preciso arcar com as consequências”.
Contudo, não nega de que o Sistema é, realmente, algo que poderia ser melhor. Para ele, existe uma percepção, por parte do governo federal, de que o SUS deve ser explorado pelo Estado ou por instituições filantrópicas. Por isso, o reajuste de tabela não acontece há muito tempo. Dessa forma, o que o mercado faz? Adapta-se cortando, por exemplo, o número de leitos.
O empresário diz: “Temos que sobreviver. Como há disputas pelos leitos, tentaremos substituir o mal pagador por um pagador melhor. Em pouco tempo as cirurgias cardíacas pelo SUS serão extintas do Estado. Não há como trabalhar de uma maneira correta com o que se paga hoje em dia. Então, estamos em momento de adaptação. Alguns vão perecer e os que sobreviverem terão condições melhores de negociação”.
Tabela do SUS é uma das maiores reclamações dos administradores
Há informações de que um hospital de Goiânia, devido à dificuldade em trabalhar com o SUS, resolveu fazer um teste: tirou sete leitos destinados para o SUS. No mesmo dia esses leitos foram ocupados por pacientes da Unimed e o faturamento do hospital subiu em mais de 30%. A questão: esse hospital pretende tirar mais 20 leitos do SUS.
Por isso, a reportagem entrou em contato com o Ministério da Saúde, que, por meio de nota, respondeu às insatisfações dos empresários goianos. Na nota, o ministério garante que tem assegurado investimento crescente, estável e contínuo para a saúde pública em todo o país e relata que, nos últimos três anos, repassou R$ 5,6 bilhões para o governo do Estado de Goiás, as prefeituras e prestadores de serviços, assim como hospitais universitários.
Os repasses, segundo a nota, foram para “promover o desenvolvimento e fortalecimento de ações de saúde, assim como atendimentos, exames, internações e também custeio de serviços estratégicos para o ministério, como os programas SAMU, UPAs e Unidades Básicas de Saúde (UBSs). Neste período, o crescimento na verba enviada foi de 25%, passando de quase R$ 1,7 bilhão em 2012 para R$ 2,1 bilhões no ano passado. Em 2015, já foi enviado quase R$ 1,1 bilhão”.
O ministério informou que as transferências são efetuadas em seis blocos: atenção básica, média e alta complexidade; vigilância em saúde; assistência farmacêutica; gestão do SUS; e investimento. Dessa forma, todos os repasses efetuados pelo Ministério da Saúde são pactuados nas Comissões Tripartite e Bipartite, que reúnem gestores das três esferas de governo — federal, estadual e municipal.
Sobre as unidades privadas
O Ministério da Saúde informou na nota que “não repassa recursos financeiros diretamente aos estabelecimentos de saúde integrantes da rede do SUS”, pois esta atribuição é do gestor ao qual a unidade prestadora dos serviços está vinculada. Dessa forma, os recursos financeiros são repassados pelo Fundo Nacional de Saúde e depositados diretamente nas contas dos fundos de saúde dos estados e municípios (repasse fundo a fundo).
A nota diz: “Compete aos gestores do SUS contratar, habilitar, estabelecer e monitorar a programação físico-financeira, autorizar, aprovar e processar a produção dos serviços realizados e efetuar o pagamento aos estabelecimentos de saúde e prestadores de serviços ao SUS que se encontram sob sua gestão. Os repasses financeiros, por meio do Fundo Nacional de Saúde, encontram-se em dia e levam em consideração fatores como a adesão aos programas federais, como o programa Saúde da Família, Rede Cegonha e a Rede de Urgência e Emergência, como o SAMU, entre outros. Além disso, são utilizados critérios populacionais e epidemiológicos, considerando as características de doenças transmissíveis ou crônicas existentes em cada região”.
Tabela
Sobre a tabela do Sistema Único de Saúde, maior reclamação dos empresários do setor privado de saúde, a nota relata que:
“O Ministério da Saúde vem aperfeiçoando o modelo de financiamento do SUS, adaptando melhor os recursos à característica dos serviços, bem como priorizando a qualidade e a assistência integral em áreas estratégicas.
“A tabela SUS não representa a única forma de custeio e os valores fora da tabela já respondem a cerca de 40% dos R$ 14,8 bilhões federais destinados aos Hospitais Filantrópicos e, considerando o orçamento hospitalar (de média e alta complexidade), o crescimento do total em incentivos além da tabela foi de 210% desde 2010.
“Dessa forma, qualquer análise sobre evolução dos recursos federais para a saúde deve considerar que o financiamento está migrando para formas mais globais de pagamento a gestores e prestadores de serviço”.
De que modo as Organizações Sociais podem influenciar na crise dos hospitais particulares?
Os donos de hospitais privados apontaram algo interessante durante a apuração desta reportagem. Existem três pontos com geram mais gastos no hospital: energia elétrica, medicamentos e folha de pagamento. A energia aumentou em mais de 20%; os medicamentos são dolarizados; e o custo com funcionários aumentou absurdamente, sobretudo devido às Organizações Sociais (OSs) e à dificuldade em se conseguir gente qualificada.
Os dois primeiros pontos são certos. O terceiro é que traz uma reflexão interessante: de que modo as OSs influenciam os hospitais privados? Haikal Helou, diretor do Santa Mônica e presidente da Associação dos Hospitais Privados de Alta Complexidade do Estado de Goiás (Ahpaceg), aponta que a melhora na qualidade dos hospitais públicos com a adesão ao sistema de OSs obrigou certo aumento no nível salarial dos funcionários. “O governo estadual precisou fazer uma mudança radical e ousada. Quem conheceu esses hospitais há um tempo percebe a diferença. Porém, as OSs passaram a disputar o mesmo mercado nosso”, diz.
Ele cita um exemplo: a Agir, OS que gere o Crer, está contratando quase 3 mil funcionários para trabalhar no Hospital de Urgências de Governador Otávio Lage (Hugol), na Região Noroeste de Goiânia, que vai abrir. De onde virão esses funcionários?
“Do nosso mercado. Teve um hospital em Goiânia que recebeu 18 pedidos de demissão no mesmo dia. Ora, não posso contratar uma enfermeira, treiná-la por oito anos e, de repente, perdê-la para uma OS. Então, vou brigar por ela. Algumas instituições, que tinham 40 enfermeiras-padrão, aumentou o salário de 20 e deixou as outras 20 saírem. Isto é, hoje há uma situação invejável em relação à saúde nesses hospitais. Isso é fato. Mas trouxe uma dificuldade para a gente”, relata.
Fora o Hugol, ainda há a previsão para a inauguração dos hospitais regionais de Uruaçu, Águas Lindas e Santo Antônio do Descoberto, cuja inauguração, segundo o secretário estadual de Saúde, Leonardo Vilela, depende de questões judiciais. Em Santo Antônio, por exemplo, a empresa não estava em dias com suas obrigações e atualmente é feita uma nova licitação para escolha da nova empreiteira que concluirá a obra. Segundo o secretário, desvencilhando-se das questões burocráticas, os hospitais poderão entrar em funcionamento no máximo em dois anos.