Ahpaceg na Mídia - Investigação de fraudes escancara crise das UTIs
O POPULAR
Investigação de fraudes escancara crise das UTIs
Terceirização de serviço de terapia intensiva em hospitais abre espaço para assédios, propostas de vantagem indevida e briga na Justiça
Sob comando único - CTI do Hospital Santa Genoveva. Para diretor técnico, única instituição deve gerir todos os setores de um hospital
Galtiery Rodrigues
O avanço das Unidades de Terapia Intensiva (UTIs) terceirizadas em Goiânia e região foi positivo, em primeiro momento, quando se iniciou há 13 anos, mas trouxe, em seguida, uma série de questões polêmicas, como as investigadas pela Operação S.O.S. Samu do Ministério Público do Estado de Goiás (MP-GO). O caráter mercantil, a livre concorrência e a necessidade de compensação financeira do investimento feito pelos empresários abriram espaço para um cenário caracterizado, segundo médicos e diretores técnicos de hospitais, por assédios, propostas e pagamentos de vantagem indevida, burla de regras e, hoje, brigas na Justiça entre gestores e donos de empresas contratadas para desterceirizar o serviço.
Quando surgiram, as empresas de UTI terceirizadas foram uma solução interessante para os hospitais, que, além da crise financeira, temiam a descapitalização brusca para investir em CTIs próprios e cumprir recomendação do Ministério da Saúde.
“Foi um dos piores negócios que aconteceram para os hospitais privados do País, porque não se tem um compromisso claro. O tratamento tem de ser uma cadeia, com uma única instituição gerindo todos os envolvidos, do pronto-socorro à UTI. É péssimo ter mais de um gestor dentro de um hospital”, afirma o diretor técnico do Hospital Santa Genoveva, Francisco Ludovico de Almeida Filho.
Os fatos evidenciados pela investigação do MP não surpreenderam médicos e diretores de hospitais. Desde 1989 à frente da UTI do Hospital Santa Rosa, o médico Sérgio Safatle conta que, há alguns anos, vem notando o encaminhamento irregular de pacientes. “Mesmo quando a ambulância pega o paciente em casa e este paciente está acostumado a se internar no Santa Rosa, ele não é trazido para cá”, aponta. Para o médico, o problema não se resume ao Samu. “Vai além disso”, diz.
Relatos de assédio e propina
O diretor técnico de um hospital tradicional de Goiânia que tem UTI própria - ele pediu para não ser identificado - contou ao POPULAR que a sistematização do que se convém chamar de concorrência desleal chegou ao ponto de empresários do ramo de terceirizadas irem até o pronto-socorro assediar os funcionários, sugerindo propina. O objetivo era convencê-los para que não encaminhassem os pacientes em situação grave para um leito de UTI do hospital onde trabalhavam, mas que mentissem dizendo que o Centro de Terapia Intensiva (CTI) estava lotado. Com isso, o paciente era direcionado para outro local. A situação obrigou a direção do hospital a aprimorar as medidas de controle interno.
O mesmo diretor relatou ainda já ter recebido propostas de socorristas e condutores de ambulâncias em troca de encaminhamento de pacientes. Presidente da Associação dos Hospitais Privados de Alta Complexidade de Goiás (Ahpaceg), Haikal Helou pondera que não são todas as terceirizadas que apelam dessa forma , mas pontua o fato de que elas têm uma autonomia muito grande. A reportagem tentou contato com representantes de UTIs terceirizadas, mas eles preferiram não se pronunciar.
Hospitais passam por processo de desvinculação
O Hospital Evangélico Goiano (HEG), em Anápolis, e o Hospital de Acidentados - Clínica Santa Isabel, em Goiânia, são dois exemplos que passam por processo de tentativa de desterceirização das Unidades de Terapia Intensiva (UTIs). O caso deste último foi parar na Justiça e a empresa conseguiu, por meio de acordo, uma prorrogação de três anos. Por incompatibilidade de gestão, a direção do hospital entrou com pedido de cancelamento antes do vencimento do contrato, o que motivou a judicialização.
“Houve o nosso desinteresse, porque não existia mais uma boa relação comercial, mas não tínhamos nada previsto em contrato para justificar o cancelamento”, conta o diretor do Santa Isabel, o médico Válney Luiz da Rocha. Ele é mais um que reforça o coro em desfavor do processo de terceirização. Para o médico, atividades fins, como UTIs e cirurgias, não devem jamais ser responsabilidade de outros. “Têm de estar sob a gestão do hospital. Não vejo com bons olhos a manutenção de duas empresas dentro de uma”, diz.
No HEG, a situação é um pouco diferente. A direção do hospital já comunicou a empresa terceirizada que não se interessa pela renovação do contrato, que deve vencer em 2017. O curioso é que o hospital possui UTI própria e mesmo assim fechou contrato com outro responsável. “Não sei explicar o porquê. É um contrato que herdamos da gestão passada. Eles podem querer manter, mas vamos trabalhar para que isso não aconteça”, diz o superintendente administrativo do HEG, Joseval dos Reis Brito. O tempo de contrato é de 10 anos. A terceirizada é a Illuminata UTI Ltda., de propriedade do médico Rafael Haddad, um dos presos na Operação S.O.S. Samu. A empresa do médico foi alvo de mandado de busca e apreensão.
Assim como os demais investigados, Haddad foi liberado da prisão no sábado à noite. A reportagem o procurou, por meio do advogado, que tentou mediar a entrevista, dizendo que ele retornaria a ligação, o que não aconteceu.
Fiscalização diz que estrutura de UTIs em Goiânia é boa
A Vigilância Sanitária é quem se encarrega pela fiscalização e controle de hospitais e clínicas com Unidades de Terapia Intensiva (UTI). Em Goiânia, segundo o gerente de Fiscalização e Projetos, Dagoberto Costa, existem 53 unidades com esse perfil. No geral, elas não apresentam nenhum problema específico, apenas questões pontuais que motivaram, até então, intervenções por infecção hospitalar. “Não me lembro agora de nenhuma interdição. No geral, as estruturas são boas”, diz. A Vigilância se baseia em normas do Ministério da Saúde e da Anvisa. Um problema enfrentado pelas UTIs da capital, de acordo com o gerente, é a obrigatoriedade relacionada ao quadro de funcionários e especialidades destes. “Existem algumas profissões que ainda não têm o número suficiente de profissionais no mercado”, diz.
Haikal Helou: “Já sentimos um aumento de 30%”
Presidente da Associação dos Hospitais Privados de Alta Complexidade de Goiás (Ahpaceg) diz que, após operação, já deu para sentir a diferença em seu hospital, com aumento de pacientes em até 30%
O que você pensa sobre a terceirização de UTIs?
Hoje, dentro da boa prática médica, isso é algo que não se considera. A boa medicina é ter boa estrutura, e o hospital é um todo. Não estou dizendo que todo CTI terceirizado tem conduta semelhante, mas essas empresas acabam tendo muita autonomia e, querendo ou não, dividem a gestão de um hospital, já que executam um serviço de extrema importância. O processo de terceirização parecia uma boa ideia, mas quem colocou, sofreu para retirar. É algo que estamos combatendo pouco a pouco. Muitos casos vão parar na Justiça e demoram anos para se resolver. As empresas alegam sempre que não podem ficar sem o contrato, sob risco de falência. É sempre a mesma história.
Os fatos levantados pela operação S.O.S. Samu te surpreenderam?
Isso acontece em várias cidades, mas existe uma frequência que só se encontra aqui em Goiânia, e isso nunca foi segredo. Tanto que tivemos, desta vez, presos que já foram investigados em operações anteriores. Não sei o que estava acontecendo, até então, mas, no meu hospital (Santa Mônica), já sentimos um aumento de 30% na procura de pacientes, nos últimos dias. Isso, sim, vem me surpreendendo e aos funcionários também. Havia um desvio e ele parou.
É atrativo investir em UTIs, financeiramente falando?
A atração não é de todo financeira. Não sei explicar exatamente. Para você montar um CTI, hoje, completo, com equipamentos de última geração, cada leito pode valer até R$ 220 mil, com custo de manutenção anual que gira em torno de 20% desse valor total. É caro.
O que explica, então, essa quantidade de investidores?
Na verdade, existem os “vampiros” originais e tem também os independentes. É algo que precisa ser olhado muito de perto, mas, formalmente, são as mesmas pessoas fazendo essa balbúrdia.
Você acredita que agora acaba?
Eu estaria sendo otimista se imaginasse que esse núcleo só existe no Samu. Acho difícil um sistema tão doente como esse não ter afetado outros núcleos. Goiânia se tornou um lugar inseguro. Você entra numa ambulância e não sabe para onde vai. Fica a questão agora: isso é usual ou corriqueiro? Teve uma semana, no meu hospital, que quatro pacientes não conseguiram chegar. Eles foram encaminhados para outros locais. Há algo de muito estranho no ar.
O que regulamenta essas empresas?
Existem normas do Ministério da Saúde e da Anvisa, mas, no que se refere ao mercado e à concorrência, vai muito da boa índole do indivíduo.