AHPACEG NA MÍDIA - Rede privada de saúde teme quebrar no auge da pandemia
Rede privada de saúde teme quebrar no auge da pandemia
Pacientes estão evitando ao máximo ir ao hospital por medo do coronavírus – como resultados, há mais mortes por AVC, infarto e acidentes
Em seu rastro de 200 mil infectados e 14.267 mortos até o fechamento desta edição, a pandemia no Brasil também tem vitimado o próprio sistema de saúde que poderia contê-la. A rede de assistência privada não passa incólume pela crise global que já causou o fechamento de 600 mil micro e pequenas empresas e a demissão de 9 milhões de funcionários, segundo levantamento feito pelo Sebrae (Serviço Brasileiro de Apoio às micro e pequenas empresas).
A Associação dos Hospitais Privados de Alta Complexidade do Estado de Goiás (Ahpaceg) comunicou a realidade que a rede de assistência particular vem encarando: “Atualmente, os hospitais privados estão funcionando com uma ociosidade que chega a 80% em algumas unidades. Ou seja, a maior parte dos leitos está vazia devido à redução de atendimentos eletivos e à baixa procura por parte de pacientes com casos suspeitos ou confirmados de Covid-19. Portanto, neste momento, não há risco de colapso da rede”.
O setor médico privado tem particularidades em relação à saúde pública e, ao mesmo tempo, é uma peça essencial para o enfrentamento da pandemia. Em Goiás, grande parte dos pacientes internados com Covid-19 está na rede particular – 36 pacientes confirmados e 21 casos suspeitos entre os associados da Ahpaceg até esta sexta-feira, 15. Para que continuem funcionando, entretanto, é necessário que o poder público compreenda estas particularidades, já que todas os diretores de hospitais entrevistados afirmaram não ser possível continuar operando por mais dois meses na circunstância atual.
Se a pandemia aumenta a demanda por leitos, por que hospitais estão vazios?
As medidas de isolamento social para o combate contra o novo coronavírus (Sars-CoV-2) parecem ter surtido efeito em Goiás. O Estado é o quarto melhor colocado na lista da incidência da doença – atrás apenas do Paraná, Minas Gerais e Mato Grosso do Sul. São “apenas” 20,3 infectados e 0,9 mortos pela Covid-19 a cada 100 mil habitantes.
Segundo site atualizado por pesquisadores da Universidade Estadual de Campinas, “Vidas salvas no Brasil pelo isolamento social”, estima-se que a quarentena terá salvo 3.140 vidas em todo Brasil até o dia 28 de maio. A coibição do contágio se reverte em vidas salvas e também em economia para o sistema de saúde público, já que o processo de manter pacientes em internação, UTI, ligados a respiradores, é altamente dispendioso.
No sistema de saúde particular, entretanto, a preparação para a pandemia exigiu altos investimentos antes da chegada da doença. “Criamos protocolos e treinamos nossos funcionários para protegê-los; compramos Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) que estavam em falta por quatro vezes o preço de mercado; adquirimos 13 novos respiradores, nove monitores e isolamos grande parte de nossos apartamentos e UTIs para dedicá-los apenas a pacientes da Covid-19. Eles nunca chegaram e os demais pacientes também estão com medo de ir ao hospital”, afirma Mayra Mattos, diretora executiva do Hospital Santa Helena.
Mayra Mattos explica que o principal problema é a desinformação. Por medo de contraírem a doença em ambiente hospitalar, pacientes que deveriam receber atendimento médico eletivo (aquele que não é urgente ou emergencial) deixaram de se consultar, realizar exames e procedimentos. Estes eram os principais clientes dos hospitais particulares. O receio é compartilhado por planos e operadoras de saúde (com exceção do Ipasgo), que costumam recusar procedimentos que podem ser postergados sob a justificativa do risco de contágio da Covid-19 em ambientes hospitalares.
Os procedimentos eletivos foram suspensos no primeiro decreto publicado pelo Governo de Goiás no final de março e, desde o dia 19 de abril, com a publicação do decreto nº 9.653 do Governo de Goiás, estão autorizadas consultas, exames e cirurgias eletivas nos hospitais da rede privada, desde que seja mantido as medidas de segurança”.
O receio não tem fundamentação em fatos, afirmam as diretoras dos hospitais Santa Helena, Santa Bárbara e Hospital Samaritano de Goiânia. Com alas inteiras dedicadas e isoladas para pacientes de Síndrome Respiratória Aguda Grave (Sars), com equipamentos de proteção e com protocolos de segurança adotados, os riscos de contágio no ambiente hospitalar são mínimos, afirmam.
Sintomas da crise
Mayra Mattos afirma que o Hospital Santa Helena atualmente tem cerca de 30% de seus leitos ocupados. “O movimento em nosso pronto-socorro caiu mais de 50% por receio das pessoas. E, por sermos um hospital de alta complexidade, isso é um péssimo sinal. Significa que as vítimas de infarto, acidente vascular cerebral (AVC), acidentes graves, estão sofrendo em casa. Quando ocorre um AVC, há um intervalo de quatro horas em que temos grande possibilidade de reverter todas as sequelas. Esses pacientes estão chegando para nós em estado grave, de 24 a 48 horas após o acidente vascular cerebral, porque adiaram a ida ao hospital o máximo possível”.
Como consequência, o tratamento torna-se mais complexo e os pacientes têm menor probabilidade de recuperação. “Isso é uma perda desnecessária, porque destinamos uma ala separada para atender pacientes da Sars – não há contato com infectados pela Covid-19”, explica a diretora executiva do hospital.
Situação semelhante é relatada por Bárbara Teodoro, médica e diretora técnica do Hospital Santa Bárbara: “Hoje nossa taxa é de 40%. A procura pelo pronto-socorro, onde atendíamos 3 mil pacientes por mês caiu pela metade. Isso nos deixa preocupados, porque chegam muitos pacientes crônicos agonizando. Apendicites, derrames, infartos não deixaram de acontecer, eles só deixaram de vir ao hospital”.
Bárbara Teodoro explica o que deve ser feito para reverter a situação: “Não queremos incentivar uma retomada das atividades sem planejamento, descoordenada. O que as pessoas precisam entender é que, caso realmente necessitem de atendimento médico, passar mal em casa não vai solucionar a pandemia. As pessoas vão ao supermercado, hortifruti, farmácia, mas têm medo de ir ao hospital, onde obedecemos protocolos muito mais rígidos de segurança”.
Anailma Graciotte, diretora administrativa e financeira do Hospital Samaritano de Goiânia, apresenta a situação da instituição que gerencia: “Temos 24 leitos reservados e isolados para pacientes de Covid-19 e nenhum está ocupado. Temos medo porque, se não pudermos fazer tratamentos eletivos agora, que o coronavírus está relativamente brando em Goiás, imagine quando tivermos de endurecer medidas de lockdown”.
A diretora administrativa e financeira conta que os gastos com equipamentos de proteção, como luvas e máscaras cirúrgicas, costumava cer de R$ 10 mil por mês; mas agora, com a demanda internacional e falta de suprimento no mercado por EPIs especiais, os gastos chegam a R$ 70 mil ao mês. “Hospitais têm custos muito elevados: a tecnologia é cara. Temos de lidar com muitas licenças, somos muito cobrados por agências reguladoras e vigilância sanitária”.
Por um fio
As três gerentes de hospitais afirmaram estar no máximo de suas capacidades e que não há possibilidade financeira de continuar por mais um mês na atual situação. Entretanto, projeções estimam que Goiás ainda enfrentará o pior da pandemia nos próximos meses. Gestores podem perder 1,6 mil leitos comuns e cerca de 500 em leitos de UTI (adulto, pediátrica e neonatal) disponíveis na rede de assistência privada entre associados da Ahpaceg.
A sugestão comum para reparar a situação é diálogo com o poder público. Tanto gestores de hospitais quanto o presidente da Ahpaceg afirmaram não estar sendo ouvidos por autoridades e não possuir um representante no Comitê de Gestão de Crise estadual. A Secretaria Estadual de Saúde de Goiás (SES-GO) informou que, até o momento, não há tratativas para que haja novos convênios público-privado para leitos dedicados ao enfrentamento da Covid-19, o que poderá ser feito caso ocorra uma evolução no número de casos em Goiás e o número de leitos públicos seja insuficiente para atender a demanda de usuários do SUS.
“Caso haja déficit no número de leitos SUS, a SES-GO poderá contratualizar leitos em hospitais privados para integrarem o enfrentamento à Covid-19 e realizar atendimento aos usuários que dependem do atendimento gratuito”, informou a Secretaria.
“A SES-GO e o Governo de Goiás estão abertos ao diálogo para que possíveis dificuldades possam ser discutidas. Desde o início da instalação do Comitê de Operações Estratégicas (COE), diversos setores foram convidados para integrar a equipe, inclusive representantes da rede privada. O convite permanece aberto, mas ainda não houve participação desses representantes no Comitê. A SES-GO reitera que a rede privada e a rede pública se complementam no sistema de saúde e a pasta mantém as portas abertas para a saúde suplementar”, finalizou a secretaria por meio de nota.